sábado, 3 de setembro de 2011

Acidentes

Eu ainda lembro de algumas coisas. Foi num sábado de manhã. Minha tia me acordou, falando que alguma coisa tinha acontecido com a minha mãe. Acordei sem entender nada e fui pra sala, onde meu pai e uns enfermeiros estavam em volta do sofá. Deitada ali a minha mãe, acordada, mas com o olhar distante, vazio, oco. Lembro de entrar na ambulância, no banco da frente, enquanto meu pai ficava atrás do lado dela, segurando a sua mão. Depois disso aquele dia se transformou em muitos flashes na minha memória, eu chorando com a minha tia no hospital e dormindo e chorando do lado do meu pai em casa, só nós dois.

Voltar de férias de inverno dois dias depois não foi uma das melhores coisas que já aconteceram na minha vida. Ainda mais quando, durante a oração na aula de religião, a professora pediu para que todos orassem pela minha mãe. Droga. Queria que isso ficasse só pra mim, ninguém precisava saber. Foram semanas de idas pro hospital. UTI, depois quarto, e lembro que todas as vezes que eu estava no carro, a caminho de ir ver minha mãe, sentado no banco do carona, eu rezava. Sem parar.

Não sei se foi isso que ajudou, mas algum tempo depois ela estava em casa. Mas o acidente (vascular cerebral) tinha deixado sequelas que privavam a minha mãe de conseguir se comunicar, se fazer entender e de nos entender em certas coisas também. Aquela mulher que veio do hospital era outra mãe. Uma mãe que precisava de mim, tanto quanto eu precisei dela durante muito tempo. Foi uma época de engolir o choro, respirar fundo, esquecer que tinha apenas 13 anos e ajudar. Sempre com a esperança de que, um dia, tudo fosse voltar ao que era antes.

Um dos momentos mais chocantes de todo esse processo aconteceu bem nesse começo, quando uma pessoa entendida do assunto, uma médica, virou pra mim e disse que a minha mãe nunca mais voltaria a ser 100% do que era. 80%? Possível. 90%? Com muito esforço. Mas 100%? Nunca mais. Os danos eram irreversíveis.

Os acidentes pelos quais eu passei me mudaram e me fizeram a pessoa que sou hoje. O último pelo qual tive que passar também me mudou pra sempre. Assim como a minha mãe, nunca mais vou ser 100%. Minha confiança foi pra sempre abalada. Acreditar em sentimentos e ações é difícil. Palavras então? São as mais complexas de passarem aqui pra dentro.

E isso nunca vai voltar a ser como era, por que a primeira vez que você ama de verdade é única e esse sentimento nunca mais vai ter a pureza que teve como foi outrora. Alguns podem chamar isso de rancor, dizer que faz parte do amadurecimento e da transformação em adulto. Quem dera eu pudesse ser criança pra sempre.

Hoje minha mãe está bem. Ela ri, se diverte com os netos, conversa e a gente tenta entender ela e (quase) sempre consegue. E toda a vez que ela olha pra mim dá um sorriso de orelha a orelha. Não há pessoa que eu consiga amar mais nesse mundo.

E se apesar de nunca mais ser 100%, mesmo com toda a dificuldade, a minha mãe ainda consegue sorrir, eu também posso (e vou) tentar. Rumo aos 80 ou 90%. (:

Um comentário:

  1. tu eh um exemplo pra mim sempre.. te amo muito meu amigo!!!

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